quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

punheta pro ego


noites de inverno regadas a vinho e conversa fiada. sentamos na beira da rua, na frente do boteco sujo. tava com meu primo do interior, caladão. encontro o pessoal da sociais. com suas risadas tradicionais, falavam mal do desenvolvimentismo do governo; olho a cara de estranheza do meu primo. segue o papo e chega um pessoal do cinema, falam dos machismos institucionalizados do cinema hollywoodiano. enquanto falamos, meu primo segue quieto, observando estudantes universitários vararem a noite conversando sob como o mundo é uma merda; e não é? agora falam de como a sociedade líquida pós-moderna representa a decadência da consideração do outro como alguém humano e de como as exclusões por diferenças se acentuam por causa disso. chega uma menina meio bêbada de uísque. ela nos olha e diz:
lambidas em palavras bonitas, goles de satisfação sádica. elite intelectual.

“viram a novela? deu mó barraco.”
uma guria da filosofia dá um pito no seu crivo e diz:
“nossa, tu não sabe que as novelas são um culto à violência e a uma cultura disso?”
com um movimento sutil, expulsa a guria da roda e retoma o rumo da conversa, falando sobre a decadência da escola racional nas ciências com o advento da escola deleusiana.
meu primo se mantém firme na cerveja. luana, da psico, olha pra ele com um olhar intrigado e pergunta:
“e tu, fala não?”
“falo sim, mas gosto de sair pra me divertir”
“ué, não tá curtindo?”                                   
“deixa eu explicar; tu sabe como começou a história de dividir horário de comida?”
“não...” (voz de desconfiança do intelectual médio com interlocutor que não possui carreira acadêmica)
“ora, tinha um cara uma vez. num canto meio escuro do mundo. ele comia muito, todos os dias. não parava de comer, comia tudo a qualquer momento. vivia com dor no estômago e seguia comendo. perdeu a noção do que comia, dos gostos. só mastigava e metia pra dentro. a coisa chegou a tal ponto que, quando ele se deu conta, ele já tinha comido tudo que podia na vila dele. não havia mais alimento algum, pessoa nenhuma. não sabia se tinham fugido  ou ele tinha comido. com dificuldade, o homem foi até a estrada e lá ficou (com suas enormes reservas de energia). uma vez, um sábio passava por ali e se compadeceu da cara de paisagem queimada do homem. ao ouvir o homem, disse:  “o dia é dividido em momentos. viva cada um desses momentos com o total de sua atenção, sem desviar-se para coisas que não dizem com aquele momento. a partir dai, o mundo passou a comer em hora certa. e a se divertir em hora certa. e aprender que nossa atenção também pode ir pra diversão. vocês ficaram nesse papo meio sádico de falar como tudo é uma merda. diversão sádica no boteco da capital”.
pessoal engoliu em seco a provocação. seguiu falando sobre como a imprensa era uma merda. mas, nesse dia, meu primo de pedras altas mostrou pra um bando de gente que se acha a elite intelectual (há 150 anos elite é engraçado) que os papos deles são só punheta pros egos inflados deles.

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