pedro
era um amigo meio outsider.
formal, bem arrumado e tudo. apesar de grande amigo, a gente não confiava muito
nele. era o jeito. impressionante como a gente não tinha a capacidade de
comprar aquilo que ele falava. uma questão puramente estética criava uma
barreira entre nós. o nelsinho, todo metido a hippie, dizia que o problema não
era a estética, mas o colégio militar. no nelsinho a gente levava fé, deviam
ser os dreads.
um dia, contudo, nelsinho, born n' raised em seio católico e
colégio de freira, mas sempre querendo mostrar que tava na última trincheira do
comando de vanguardistas, largou que o pedro era um reaça. tudo porque pedro
disse que o nelsinho tava errado na opinião dele sobre um movimento social
qualquer. pedro disse que apenas o fato de se tratar de um movimento social não
o legitimava a falar pelos seus membros e trasnformarem seus membros em servos
de uma ideia. nelsinho dizia que quando a ideia era boa, os integrantes tinham
que se sacrificar. pedro retrucou que isso era fascismo. nelsinho desabou e
disse o que disse. a gente tava numa rodoviária comendo um pastel de carne.
pedro ficou tranquilo. parecia esperar por aquele momento durante
toda nossa amizade. com cautela, tirou o ovo cozido inteiro que vinha no seu
pastel (tinha tom esverdeado sabe-se lá o porquê) para o lado. triturou com as
mãos em pequenos pedaços e distribuiu pelo pastel.
"alguém quer ovo ralado?"
silêncio. atila e eu estavamos com o pastel entre o prato e a boca
há 25 segundos, já eram quase partes integrantes de nossos corpos, tamanha
nossa indiferença ao fato de serem alimentos. nelsinho largou o garfo e a faca
e e olhou com um olhar impaciaente para pedrinho
"nelsinho, as ideias não são certas. não adquirem o caráter
de supra-humanas. existem sentimentos. sentimentos são humanos. se sentir livre
e amar importam mais que algo escrito num papel e deixado para os ratos comerem
e incêndios queimarem. transformar pessoas em ideias é o que combatemos e
praticamos ao mesmo tempo. a liberdade não é uma luta, mas o desenvolvimento da
capacidade de se reinventar e ser unido e autonomo ao mesmo tempo. por exemplo,
se eu tivesse no poder, drogas não seriam criminalizadas. mas comer pastel com
garfo e faca seria. e tu taria preso. quem tá mais certo? não sei, mas acho que
todo mundo deveria comer pastel com garfo e fumar maconha. isso é liberdade.
ideais não tem essa capacidade".
nelsinho olhou, coçou a barba com quem anotasse aquele discurso
pra repetir numa roda de amigos. era bonito. continou comendo seu pastel, com a
mão.
pedro não era reaça e nelsinho parecia um panfleto ambulante.
aquele que mais se parecia com o que combatiamos, era o que mais entendia o que
defendiamos. o outro, era uma imagem construída, que mais parecia com o que
esperavamos do que com a si mesmo.
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