quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

das ideias


pedro era um amigo meio outsider. formal, bem arrumado e tudo. apesar de grande amigo, a gente não confiava muito nele. era o jeito. impressionante como a gente não tinha a capacidade de comprar aquilo que ele falava. uma questão puramente estética criava uma barreira entre nós. o nelsinho, todo metido a hippie, dizia que o problema não era a estética, mas o colégio militar. no nelsinho a gente levava fé, deviam ser os dreads.
um dia, contudo, nelsinho, born n' raised em seio católico e colégio de freira, mas sempre querendo mostrar que tava na última trincheira do comando de vanguardistas, largou que o pedro era um reaça. tudo porque pedro disse que o nelsinho tava errado na opinião dele sobre um movimento social qualquer. pedro disse que apenas o fato de se tratar de um movimento social não o legitimava a falar pelos seus membros e trasnformarem seus membros em servos de uma ideia. nelsinho dizia que quando a ideia era boa, os integrantes tinham que se sacrificar. pedro retrucou que isso era fascismo. nelsinho desabou e disse o que disse. a gente tava numa rodoviária comendo um pastel de carne.
pedro ficou tranquilo. parecia esperar por aquele momento durante toda nossa amizade. com cautela, tirou o ovo cozido inteiro que vinha no seu pastel (tinha tom esverdeado sabe-se lá o porquê) para o lado. triturou com as mãos em pequenos pedaços e distribuiu pelo pastel.
"alguém quer ovo ralado?"
silêncio. atila e eu estavamos com o pastel entre o prato e a boca há 25 segundos, já eram quase partes integrantes de nossos corpos, tamanha nossa indiferença ao fato de serem alimentos. nelsinho largou o garfo e a faca e e olhou com um olhar impaciaente para pedrinho
"nelsinho, as ideias não são certas. não adquirem o caráter de supra-humanas. existem sentimentos. sentimentos são humanos. se sentir livre e amar importam mais que algo escrito num papel e deixado para os ratos comerem e incêndios queimarem. transformar pessoas em ideias é o que combatemos e praticamos ao mesmo tempo. a liberdade não é uma luta, mas o desenvolvimento da capacidade de se reinventar e ser unido e autonomo ao mesmo tempo. por exemplo, se eu tivesse no poder, drogas não seriam criminalizadas. mas comer pastel com garfo e faca seria. e tu taria preso. quem tá mais certo? não sei, mas acho que todo mundo deveria comer pastel com garfo e fumar maconha. isso é liberdade. ideais não tem essa capacidade".
nelsinho olhou, coçou a barba com quem anotasse aquele discurso pra repetir numa roda de amigos. era bonito. continou comendo seu pastel, com a mão.
pedro não era reaça e nelsinho parecia um panfleto ambulante. aquele que mais se parecia com o que combatiamos, era o que mais entendia o que defendiamos. o outro, era uma imagem construída, que mais parecia com o que esperavamos do que com a si mesmo.

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